Arqueología de la Arquitectura 19
enero-diciembre 2022, e130
ISSN: 1695-2731, eISSN: 1989-5313
https://doi.org/10.3989/arq.arqt.2022.007

A geometria aplicada à Évora romana: da malha urbana às termas

Geometría aplicada a la Évora romana: del contexto urbano a las termas
Applied geometry to Roman Évora: from the urban context to the baths

Ricardo de Morais Sarmento

Dep. Cultura e Património, Cámara de Évora

https://orcid.org/0000-0002-2908-4821

RESUMO

As termas romanas da cidade de Évora, descobertas em 1987 e integradas no actual edifício dos Paços do Concelho, revelaram-se um dos mais importantes exemplares desta tipologia a nível nacional. Esta estrutura localizava-se próximo do Forum e afirmava-se como um dos mais importantes edifícios públicos da cidade. Com a intervenção arqueológica de 2019, foi possível registar e estudar novas estruturas do complexo. Várias pesquisas sugerem que a arquitectura deste período utiliza um vasto conjunto de regras geométricas e espaciais de forma a tornar o espaço harmonioso e sensorialmente agradável à vivência humana. Nesse sentido, o presente estudo propõe-se fazer uma análise deste complexo termal, utilizando a geometria para tentar compreender melhor a sua organização espacial e volumétrica e também a forma como o referido complexo se relacionava com o contexto urbano da época.

Palavras-chave: 
arquitectura; rectângulo de ouro; arqueologia; Portugal; Flávio.
RESUMEN

Las termas romanas de la ciudad de Évora, descubiertas en 1987 e integradas en el edificio actual de los Paços do Concelho, resultaron ser uno de los ejemplos más importantes de esta tipología a nivel nacional. Esta estructura estaba ubicada cerca del Foro y se afirmó como uno de los edificios públicos más importantes de la ciudad. Con la intervención arqueológica de 2019, se lograron registrar y estudiar nuevas estructuras en el complejo. Varias investigaciones sugieren que la arquitectura de este periodo utiliza un vasto conjunto de reglas geométricas y espaciales para hacer que el espacio sea armonioso y sensorialmente agradable para la experiencia humana. En este sentido, el presente estudio se propone analizar este conjunto termal, utilizando la geometría para tratar de comprender mejor su organización espacial y volumétrica y también la forma en que dicho conjunto se relacionaba con el contexto urbano de la época.

Palabras clave: 
arquitectura; rectángulo áureo; arqueología; Portugal; Flavio.
ABSTRACT

The Roman baths in the city of Évora, discovered in 1987 and integrated into the current building of the Paços do Concelho, proved to be one of the most important examples of this typology at the national level. This structure was located close to the Forum and asserted itself as one of the most important public buildings in the city. Thanks to the archaeological intervention of 2019, it was possible to record and study new structures in the complex. Several researches suggest that the architecture of this period uses a vast set of geometric and spatial rules in order to make the space harmonious and sensorially pleasant to human experience. In this sense, the present study proposes to analyze this thermal complex by using geometry with the aim of better understanding its spatial and volumetric organization and also the way in which the aforementioned complex was related to the coeval urban context.

Key words: 
architecture; golden rectangle; archeology; Portugal; Flavian.

Recibido: 02-02-2022. Aceptado: 09-05-2022. Publicado: 05-07-2022

Cómo citar este artículo/Citation: Sarmento, R. de M. 2022: “A geometria aplicada à Évora romana: da malha urbana às termas”, Arqueología de la Arquitectura, 19: e130. https://doi.org/10.3989/arq.arqt.2022.007

1. INTRODUÇÃO: OBJETO DE ESTUDO E METODOLOGIA

 

Entre Setembro de 2019 e Outubro de 2020, foi desenvolvida uma intervenção arqueológica nas termas romanas de Évora (Fig. 1). Essa escavação localizou-se no espaço que actualmente está classificado como Praefurnium, tendo como objectivos atingir a cota de circulação em toda a área, bem como revelar a possível existência de novas estruturas.

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Figura 1.  Referência geográfica da cidade de Évora e a localização das termas romanas no seu contexto urbano.

Terminada a campanha arqueológica, foi possível identificar um novo espaço de planta circular e com diâmetro igual ao Laconicum, apresentando tal espaço um método construtivo semelhante ao deste. Esta sala agora revelada conservava o original pavimento em opus signinum, tendo, inclusivamente, conservado, na zona do rodapé, vestígios de canelura, o que indica que teria água no seu interior (Miró i Alaix e Peréx Agorreta 2018: 170Miró i Alaix, C. e Peréx Agorreta, M. 2018: “Las termas medicinales en época romana. Arquitectura al servicio de la salud y el culto”, en M. Pérex Agorreta e C. Miró i Alaix (coords.), Vbi Aquae Ibi Salvs. Aguas mineromedicinales, termas curativas y culto a las aguas en la Península Ibérica (desde la Protohistoria a la Tardoantiguedad), pp. 159-176. Librería UNED, Madrid.). Foram igualmente identificados um conjunto de silhares com decoração almofadada, assentes directamente sobre o geológico e estando conservados in situ, bem como um conjunto de outras pequenas estruturas que, cronologicamente, se balizam entre o século I d. C. e o século VII d. C.

Depois de estudadas as estruturas recentemente encontradas e após publicação das primeiras conclusões, incluindo nelas as diferentes técnicas construtivas e as distintas campanhas arquitectónicas desenvolvidas, tornou-se premente proceder a uma nova leitura global de todo o conjunto termal1No XI Congresso de Arqueologia do Sudoeste Peninsular, realizado a 25 de Outubro de 2021, foi apresentada a comunicação intitulada “As Termas Romanas de Ebora Liberalitas Ivlia - Campanha Arqueológica 2019/2020”. Este estudo teve como objectivo divulgar os resultados da intervenção, focando-se nas novas estruturas identificadas, bem como nas várias fases construtivas que foram aqui identificadas. . Neste sentido, e considerando a extraordinária importância da utilização da geometria tanto no urbanismo como na arquitectura, optou-se por desenvolver um estudo capaz de compreender as razões matemáticas e geométricas que se afirmaram determinantes na concepção do espaço termal em apreço (Miró i Alaix e Peréx Agorreta 2018: 160Miró i Alaix, C. e Peréx Agorreta, M. 2018: “Las termas medicinales en época romana. Arquitectura al servicio de la salud y el culto”, en M. Pérex Agorreta e C. Miró i Alaix (coords.), Vbi Aquae Ibi Salvs. Aguas mineromedicinales, termas curativas y culto a las aguas en la Península Ibérica (desde la Protohistoria a la Tardoantiguedad), pp. 159-176. Librería UNED, Madrid.).

Para que o estudo deste edifício não divergisse para algo desconexo em relação ao contexto urbano da sua implantação e para o qual foi idealizado, numa primeira fase, foram analisadas as várias campanhas arqueológicas que deram informações sobre o urbanismo da cidade, nomeadamente as referentes às dimensões de ruas e aos contextos de espaços públicos e privados. O caso singular de Évora conserva ainda ruas e arruamentos que mantêm parte da original malha do período romano; como tal, procurou-se estudar essas referências de forma a cruzá-las com a informação arqueológica disponível (Martins 2013: 175Martins, P. 2013: A Persistência das Formas Urbanas: Leitura das pré-existências romanas na morfologia da cidade portuguesa. Dissertação de Mestrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.).

Já após uma fase de compilação e de registo das informações disponíveis sobre o tema, optou-se por construir uma proposta de organização espacial da cidade. Esta proposta não pretende, de forma alguma, ser vinculativa ou tampouco constituir um estudo aprofundado sobre o tema. Em vez disso, visa fornecer uma base para que se possa compreender um pouco melhor o contexto urbano em que as termas se inseriam e, através deste, tentar calcular a sua total dimensão e a relação com os edifícios confinantes.

Depois de criada uma base para o conhecimento desse contexto, passa-se ao estudo das estruturas associadas ao complexo em análise. Importa, todavia, sublinhar que esse estudo não inclui apenas as estruturas encontradas no interior do espaço do actual edifício dos Paços de Concelho. Com efeito, contempladas foram, igualmente, as que foram trazidas à luz do dia na Rua de Olivença e na Praça do Sertório. Nesse estágio, procura-se compreender as várias fases construtivas, bem como as funções acometidas a cada estrutura e ainda a materialidade daquelas. É ainda realizado um estudo cronológico que associa os vários espaços termais identificados às três principais fases construtivas que todo o conjunto registou, verificando-se, no entanto, um maior foco na segunda fase, pois é aquela que mais vestígios conserva e sobre a qual se consegue obter mais informação.

O Laconicum foi a primeira sala a ser descoberta, sendo também aquela que se encontra em melhor estado de conservação, condições que justificam o facto de ser sobre ele que recai a maior quantidade de estudos e de publicações. Contudo, torna-se relevante proceder a uma análise detalhada do espaço em causa, incluindo nela as várias técnicas construtivas e a forma como as mesmas se relacionam. Atesta, de resto, a fecundidade deste campo de estudo o facto de se advogar a existência de mais do que uma fase construtiva e utilitária do espaço em apreço.

Depois de concluída uma análise focada na cronologia, descrição e interpretação funcional dos espaços e de clarificada uma noção do seu contexto urbano, avança-se para o estudo da geometria que terá sido utilizada na sua concepção. Neste sentido, são utilizados como base o registo fotogramétrico realizado em todo o Praefurnium e o registo em desenho do Laconicum. Posteriormente, são vectorizados de modo a que possam ser editados e intercalados com um módulo geométrico. Como módulo para o cálculo das medidas foram utilizados o pé romano, que equivale a 0,296 m, para a medição de espaços interiores, e o côvado, que corresponde a 0,481 m, para o estudo do urbanismo (Jorge 1997: 440Jorge, V. 1997: “Arquitectura, medida e número na igreja cisterciense de São João de Tarouca”, Cistercium, 49 (208), pp. 431-456.). No caso da composição geométrica, foram accionados a circunferência e o rectângulo de ouro com vista a compreender a relação espacial e volumétrica deste edifício.

Começa-se por se estudar o Laconicum por ser o único espaço que foi alvo de uma escavação total e, simultaneamente, por ocupar uma posição de grande importância dentro das termas. Na fase seguinte, será alargada a área de estudo, passando-se a abordar o possível Caldarium, bem como o conjunto de silhares almofadados, ambos anexos ao Laconicum, e tendo ainda como foco toda a actual zona do Praefurnium e respectivas estruturas que aí se conservam. Posteriormente, será estudado o Natatio, onde, mediante a utilização da mesma métrica, se tentará obter uma noção da sua real dimensão e relação em planta com as restantes estruturas, e, por fim, terminar-se-á no Frigidarium, último espaço a ter sido registado arqueologicamente.

Na última fase, este estudo irá alargar a métrica das termas, cruzando com o plano urbanístico, de modo a tentar chegar a uma ideia sobre a dimensão total das mesmas. Esta proposta terá em conta as três principais fases construtivas; todavia, por uma questão de coerência metodológica, focar-se-á na segunda, assinalando, quando possível, a área das restantes.

2. URBANISMO: EBORA LIBERALITAS IULIA

 

O urbanismo do período romano da cidade de Évora continua a ser objecto de vários estudos e hipóteses que conciliam as diversas informações que a arqueologia vem fornecendo com os indícios que ainda se conservam no traçado da cidade.

A primeira intervenção que deu contributos sobre o urbanismo eborense durante esse período ocorreu em 1845, sob a direcção de Joaquim Cunha Rivara (1809-1878), resultando na descoberta do tanque de água que contornava o templo e, como tal, dos primeiros elementos associados ao Forum da cidade. Só no final do século XX é que este espaço voltou a conhecer intervenções arqueológicas, desta vez ao cuidado de Theodor Hauschild, que colocou a descoberto várias partes do espelho de água, a tribuna do templo, os limites do Forum e ainda parte do respectivo criptopórtico que lhe estava associado (Carvalho 2019: 247Carvalho, M. 2019: “Ichnography, Orthography and Scenography as Forms of Tracing the past: A Reconstitution of the Roman Forum of Ebora Leberalitas Julia”, Cultural Landscape in Practice: Conservation vs. Emergencies, 26, pp. 245-258. ).

No ano de 2003, foi realizada uma sondagem, na Rua Vasco da Gama, que resultou na descoberta do Decumanus Maximus, que conserva ainda grande parte do pavimento em calçada, bem como um conjunto de três bases de coluna correspondentes ao pórtico que rodeava a rua de ambos os lados. Este importante achado permitiu dar a conhecer com exactidão a dimensão da rua, que correspondia a 6m, ou seja, aproximadamente 12 côvados (Sarantopoulos 2003: 13Sarantopoulos, P. 2003: Relatório de trabalhos de acompanhamento arqueológico: Praça do Sertório - Rua Vasco da Gama. Câmara Municipal de Évora, Évora.).

Não havendo registo de mais intervenções que tenham fornecido dados concretos sobre o urbanismo da cidade, torna-se pertinente fazer uma análise das muralhas tardo-romanas que delimitavam a zona central da urbe, tal como das ruas que ainda possam conservar alinhamentos relacionados com o traçado romano.

Tendo como referência as intervenções previamente referidas, opta-se por começar a análise pelo troço conservado na base do Jardim Diana, cuja orientação está perfeitamente alinhada com o Forum e, por consequência, com o traçado ortogonal da cidade. A existência de uma grande torre defensiva, vulgarmente conhecia como Torre das Cinco Quinas, indica que nesse local se encontraria uma das principais vias da cidade. Esta via deveria ser coincidente com a actual Rua Augusto Filipe Simões, tendo continuação até ao actual Beco da Casa Santa (Mantas 1986: 19Mantas, V. 1986: “Arqueologia urbana e fotografia aérea: contributos para o estudo do urbanismo antigo de Santarém, Évora e Faro”, Trabalhos de Arqueologia, 3, pp. 13-26. ). Este traçado corresponde ao Cardus Maximus e tem a sua conclusão nas actuais Portas de Moura (Val-Flores 2008: 173Val-Flores, G. 2008: A evolução urbana do Centro Histórico de Évora, Vol. I. Peres-Soctip, Indústrias Gráficas, SA, Samora Correia.). Actualmente é possível registar influência deste traçado, nomeadamente a fachada exterior do Museu Nacional Frei do Cenáculo, a fachada da sacristia da Sé Catedral e o términus do antigo Colégio dos Meninos do Coro (Fig. 2).

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Figura 2.  Marcação de um Cardus que liga a Torre das Cinco Quinas às Portas de Moura, e do Decumanus Maximus.

Entre a Rua Francisco Soares Lusitano e a porta D. Isabel, encontram-se alguns vestígios do troço de muralha que protegia este quarteirão, mas, ao contrário do troço anterior, este sofre um desvio do traçado, estando inclusivamente o arco de entrada da cidade ligeiramente torcido em relação à rua, facto para o qual não foi ainda possível apresentar qualquer justificação.

Esta é a única porta da muralha que se encontra conservada, pese embora o facto de o troço que a ligava à Torre do Salvador ter sido demolido aquando da construção do actual edifício dos correios. Segundo as descrições da época dessa demolição, a “muralha romano-goda que fazia um ângulo obtuso na direcção da torre quadrangular da Igreja das Franciscanas, verificando-se a existência das bases da torre Norte que flanqueava o portal, assim como o pórtico da barbacã (Espanca 1945: 47Espanca, T. 1945: “Fortificações e Alcaidarias de Évora”, A cidade de Évora, 9-10, pp. 41-90. ). Esta porta marca o percurso de um cardus (Carneiro 2021: 171Carneiro, A 2021: “Liberalitas Iulia Ebora”, en T. Basarrate (ed.), Ciudades Romanas de Hispania, pp. 167-176. Artes Gráficas Rejas, Mérida.), do qual, regista um certo paralelismo e proximidade com a Rua de Diogo Cão (Fig. 3). Este traçado converge com a proposta de Jorge Alarcão (1987: 76)Alarcão, J. 1987: Portugal Romano. Editorial Verbo, Lisboa. e Miguel Lima (2004: 17)Lima, M. 2004: Muralhas e Fortificações de Évora. Argumentum, Lisboa. sobre o desenho da muralha, colocando junto ao Largo da Misericórdia uma torre defensiva, o que faria sentido para proteger uma eventual porta de entrada na cidade.

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Figura 3.  Marcação do Cardus Maximus a passar pelo Arco D. Isabel e a terminar junto ao Largo da Misericórdia.

O traçado junto à Torre do Salvador, bem como o próprio alinhamento da mesma encontra-se novamente alinhado segundo o eixo este/oeste, estando, como tal, paralelo aos espaços internos das Termas de Sertório. Importa ainda referir o quase perfeito alinhamento tanto da Rua da Mouraria, como da Rua do Cano com o eixo romano (Val-Flores 2008: 158Val-Flores, G. 2008: A evolução urbana do Centro Histórico de Évora, Vol. I. Peres-Soctip, Indústrias Gráficas, SA, Samora Correia.).

O traçado na zona do Colégio de São Paulo é de mais complexa suposição, porquanto nada se conserva. Com as grandes transformações urbanas que ocorreram em 1537, implicando algumas delas a demolição do “muro antigo”, o percurso até à Torre do Sisebuto é desconhecido. No entanto, analisando a orientação dos principais edifícios que aqui se conservam, assim como o grande desnível que o terreno regista, torna-se possível a reconstituição do traçado, conforme se pode observar na Figura 3 (Lima 2004: 22) Lima, M. 2004: Muralhas e Fortificações de Évora. Argumentum, Lisboa.. Recentes intervenções arqueológicas vieram confirmar o prolongamento do urbanismo romano na direcção do Largo Luís de Camões (Reis 2014: 226Reis, M. 2014: DE LUSITANIAE VRBIUM BALNEIS - Estudo sobre as termas e balneários das cidades da Lusitânia. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.). Apesar de a arqueologia não ter, para já, fornecido qualquer informação sobre o limite da cidade a ocidente, o alinhamento da Rua João de Deus e respectiva continuação até à Praça do Giraldo são sugestivos quanto à sua fundação romana, ainda que já bastante alterada em contexto medieval (Ballesteros et alii 1997: 157Ballesteros, C., Marques, É. E Oliveira, J. 1996: “As muralhas de Évora: Aspectos Problemáticos do Sistema Defensivo”, A Cidade de Évora, 2 (2), pp. 67-84. ).

O percurso que liga a Torre do Sisebuto à Porta da Selaria é um dos mais bem conservados, mantendo não apenas o pano de muralha em grande parte da sua extensão, mas também os dois torreões, que distam aproximadamente 19 m, ou seja, aproximadamente 40 côvados, entre si. A meio deste percurso, encontra-se a actual Casa de Burgos, na qual, a arqueologia revelou a existência de uma unidade habitacional que fora cortada com a construção da muralha. Um outro ponto fundamental é a existência de uma “paterna”, ou porta de pequena dimensão, associada à muralha, elemento este que se insere no alinhamento do Decumanus e que comprova que, não obstante a restruturação urbana que a cidade sofreu com a construção da linha defensiva, esta via continuou em funcionamento (Sarantopoulos 2003: 31Sarantopoulos, P. 2003: Relatório de trabalhos de acompanhamento arqueológico: Praça do Sertório - Rua Vasco da Gama. Câmara Municipal de Évora, Évora.).

A Rua 5 de Outubro conserva uma das duas torres defensivas de uma das principais portas da cidade, sendo que a outra torre foi demolida por ordem de D. João III (Espanca 1966: 10Espanca, T. 1966: Inventário Artístico de Portugal: Concelho de Évora, Vol 1. Academia Nacional de Belas-Artes, Lisboa.). Esta porta daria acesso a um dos decumani secundários e faria a comunicação entre a zona do Forum e o exterior da cidade, o qual corresponde actualmente à Praça do Giraldo, espaço que poderá ter tido origem no período romano, sem que, todavia, existam provas materiais que o comprovem (Mantas 2010: 177Mantas, V. 2010: “Ammaia e Civitas Igaeditanorum. Dois espaços forenses lusitanos”, en T. Nogales Basarrate (ed.), Stvdia Lusitana. Ciudad y foro en Lusitania Romana, pp. 167-188. Artes Gráficas Rejas, Mérida.). A proposta de traçado marca a direcção da Rua 5 de Outubro, coincidindo com o tramo lateral da Sé Catedral e ainda com a fachada lateral da capela-mor (Fig. 4). Já a sua terminação seria na actual Rampa de São Miguel, onde há vestígios da existência de duas torres defensivas.

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Figura 4.  Proposta de traçado de Decumani a passar pela Rua 5 de Outubro e a terminar junto à Rampa de São Miguel.

A trama actual da cidade reproduz, em vários lugares, a orientação da Praça do Forum, bem como das principais vias, sendo, contudo, de registar deslocações inevitáveis dos limites das ruas (Reis 2014: 224Reis, M. 2014: DE LUSITANIAE VRBIUM BALNEIS - Estudo sobre as termas e balneários das cidades da Lusitânia. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.).

3. PROPOSTA: TRAÇADO URBANO

 

Os dados até à data recolhidos permitem determinar, com algum grau de certeza, o traçado de quatro vias romanas, nomeadamente o Decumanus Maximos, Rua de Vasco da Gama, Decumani secundário, Rua 5 de Outubro, Cardus Maximos, Rua de D. Isabel, e, finalmente, um outro Cardus, a passar na actual Rua Augusto Filipe Simões e a terminar nas actuais Portas de Moura. Quanto à largura, é provável que estas vias tivessem aproximadamente as mesmas dimensões; como tal, e por uma questão de simplificação de cálculo, tomar-se-á como referência a dimensão do Decumanus Maximos ‒ de 6 m ou 12 côvados.

A distância compreendida entre o Decumanos Maximos e o Decumani é de 63,49 m, o que corresponde a 132 côvados, valor que é aparentemente pouco harmónico. No entanto, é preciso considerar que estas duas vias estavam condicionadas pela dimensão do Forum, o que seria razão para terem uma dimensão distinta das demais. Devido a esta condicionante, não se pode calcular a dimensão dos quarteirões através destas duas vias, pelo que, em alternativa, há que tentar efectuar o cálculo com base na distância entre os dois Cardus identificados. Essa distância é de 131,89 m, o que corresponde a, sensivelmente, 274 côvados. Se a este número for subtraída a largura de duas ruas, ou seja, 24 côvados, obter-se-á um resultado de 250 côvados, valor que permite já um cálculo bastante mais plausível, pois, se cada quarteirão tiver 100 côvados de largura, estar-se-á perante 2,5 quarteirões, com a existência de duas ruas entre eles. Esta hipótese já parece de acordo com as regras vitruvianas, dado que contempla o resultado da multiplicação do número “perfeito” dez por ele mesmo, criando, assim, um efeito muito harmonioso (Maciel 2006: 111Maciel, J. 2006: Vitrúvio, Tratado de Arquitectura. Guide - Artes Gráficas, Lda., Lisboa.). Para reforçar esta proposta, é possível observar que o seu traçado fica perfeitamente tangente ao lado interno do Forum e, além disso, define o lado do claustro do Museu Frei Manuel do Cenáculo, bem como o alinhamento da fachada da Sé Catedral e ainda toda a direcção e limite exterior do claustro (Fig. 5).

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Figura 5.  Proposta de Cardus a passar junto ao Forum.

Para se poder averiguar como esta proposta se relaciona com a malha urbana existente, foram desenhadas várias vias, todas elas distanciadas 100 côvados entre si, ou submúltiplos desse valor, e, de seguida, enumeradas sequencialmente (Fig. 6).

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Figura 6.  Proposta de malha urbana para a cidade de Évora durante o período romano.

Procedendo à análise das vias, a primeira a ser enunciada é a via A, que corresponde à direcção da Rua da Mouraria, embora ligeiramente desviada do percurso actual desta artéria. Este desvio pode ser justificado de duas formas: ou as fachadas das casas avançaram em relação ao traçado original ou este quarteirão tinha originalmente uma dimensão ligeiramente maior do que a dos restantes. A via B define perfeitamente o limite noroeste da muralha, deixando supor que esta foi construída de forma a não causar qualquer obstrução nessa rua. A via C define, com grande rigor, o ponto de inflexão da muralha a norte, seguindo paralela a esta ao longo do actual Jardim Diana e terminando na Rua João de Deus. A via D é uma das que mais facilmente se atesta pela sua orientação perfeita com o Forum romano. Com efeito, a sua localização é de tal forma precisa que passa no centro do pórtico que contornava o templo. Esta via estabelecia a ligação directa entre o Forum e as termas, o que reforçava a relação entre ambos os espaços, algo muito comum à época (Delaine 1999: 68Delaine, J. 1999: “Benefactions and urban renewal: Bath buildings in Roman Italy”, en J. Delaine e D. Johnston (eds.), Roman Baths and Bathing: Proceedings of the First International Conference on Roman Baths, pp. 67-74. Archaeological Institute of America, Portsmouth.). É legítimo concluir que a zona em que esta via se cruza com a R marca o ponto de inflexão da muralha.

O traçado que a via G propõe conserva ainda muitas marcas no urbanismo actual. A habitação n.º 5 da Rua do Cenáculo conserva não apenas a direcção, mas também a largura desta via, da mesma forma que toda a ala sul do claustro da Sé Catedral, bem como o corpo principal do Palácio do Vimioso e o pátio da antiga Casa dos Salema. O seu cruzamento com a via Q coincide perfeitamente com o pátio da habitação n.º 11 da Rua de Valdevinos, espaço que ainda hoje mantém a sua forma longitudinal e que se prolonga para o interior do quarteirão. Todavia, a maior importância desta via reside no ponto em que se cruza com a K, pois esse cruzamento marca a localização de uma paterna actualmente conservada no interior de uma habitação, que, no decorrer deste estudo, foi possível observar embora sem autorização para recolha de imagens. Apesar desta importante paterna não estar publicada, não se trata de uma descoberta totalmente inédita, pois Theodor Hauschild e Felix Teichner (2017: 250)Hauschild, T. e Teichner, F. 2017: Der römische Tempel in Évora (Portugal). Wiesbaden Reichert, Wiesbaden. já tinham assinalado uma passagem na muralha nesta zona, indiciando, assim, o conhecimento da sua existência.

A proposta da via H marca a delimitação da Rua de São Manços, onde se calcula que possa ter existido um anfiteatro (Reis 2014: 234Reis, M. 2014: DE LUSITANIAE VRBIUM BALNEIS - Estudo sobre as termas e balneários das cidades da Lusitânia. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.). O seu cruzamento com a via Q levantam a possibilidade de se estar perante mais uma antiga paterna, dada a proximidade a uma grande torre, o que sugere uma necessidade de maior protecção da muralha.

Neste sentido, a última via a ser analisada é a I, cujo traçado é coincidente com o limite da torre mais a sul, indício de uma clara intenção de deixar algumas vias totalmente desobstruídas no acto de construção da muralha.

Na direcção oposta, a primeira via a ser analisada é a J, que, à semelhança da I, marca o limite este da cidade. Relativamente à via K, assinala-se que esta mostra uma clara influência no alinhamento e no dimensionamento de alguns edifícios pertencentes ao Paço dos Condes de Bastos. A via L não mostra vestígios de ter sido conservada no urbanismo actual. Contrariamente à anterior, a via O define, a norte, a posição e a direcção do Beco do Meirinho e, posteriormente, da Rua do Inverno. No lado oposto, é possível denotar que, entre a Rua de Diogo Cão e a Travessa de São Joãozinho, existe um conjunto de duas casas que ocupam o percurso proposto, dando a entender que o actual quarteirão chegou a preservar esta passagem.

A via Q define a direcção e a localização da Rua do Cano, apresentando também proximidade à Rua de Burgos e à Rua de Valdevinos. No caso da via R, ela define todo o alinhamento da muralha na zona oeste da cidade, sendo inclusivamente visível a coincidência dos dois traçados, o que deixa uma vez mais claro o cuidado em preservar a desobstrução dessa via. Conforme já foi referido, vários autores concordam que a Rua João de Deus deveria ser o limite da cidade. Efectivamente, ao desenhar-se a via S distanciando-a 50 côvados da R, percebe-se uma grande compatibilidade entre a proposta e o existente.

Medindo a distância compreendida entre as vias R e J, obtém-se a distância precisa de 860 côvados; já no sentido oposto, ou seja, entre as vias B e I, chega-se a um resultado de 830 côvados, valores relativamente próximos entre si.

Este não é um estudo aprofundado sobre o tema e, nessa medida, não pretende resolver os vários problemas que a interpretação do urbanismo no período romano na cidade de Évora tem levantado. Contudo, considerando a métrica proposta e a forma como ela se aplica na malha urbana, bem como os vários elementos que coincidem com o traçado da mesma, parece legítimo que esta possibilidade deva ser considerada.

4. TERMAS: INTERPRETAÇÃO DOS VESTIGIOS ARQUEOLÓGICOS

 

Desde o momento em que as termas romanas de Évora foram descobertas, em 1987, até ao término da sua última intervenção arqueológica, em 2020, foram escavados, aproximadamente, 250 m2 (Reis 2014: 238Reis, M. 2014: DE LUSITANIAE VRBIUM BALNEIS - Estudo sobre as termas e balneários das cidades da Lusitânia. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.). Ao longo deste processo, várias foram as estruturas que ficaram visíveis, tornando possível o estudo de espaços como o Laconicum, o Praefurnium ou o Natatio, ainda que não na sua totalidade. Não obstante esta vista apenas parcial sobre alguns dos espaços em causa, assim como algum grau de destruição que os mesmos registam, foi possível desenvolver um estudo sobre a sua cronologia e respectivas fases construtivas.

A primeira fase de construção das termas ‒ ou talvez, na época, banhos públicos ‒ está representada pelo Laconicum, espaço que se relaciona com outros exemplares em Conimbriga ou Eburobrittium, todos eles com uma cronologia que remete para meados do século I d. C. (Reis 2004: 29Reis, M. 2004: Las termas y balnea romanos de Lusitania. Stvdia Lvsitana, 1. Ministerio de Cultura, IBERSAF, Madrid.). Do lado norte do Laconicum, existe actualmente uma sala que comunica directamente com o átrio dos Paços de Concelho e que exibe uma abside cuja técnica construtiva remete para o período romano. Estando certamente associada ao espaço termal, a sua função permanece até ao momento desconhecida, embora alguns autores tenham levantado a hipótese de se tratar do Caldarium, tese que carece ainda de confirmação (Móran et alii 1998: 1Móran, E., Gonçalves, A. e Teichner, F. 1998: Realização de Sondagens Arqueológicas, Termas Romanas de Évora: Relatório Final do Trabalho Desenvolvido. Hipocausto, Évora.). Apresentando características construtivas muito semelhantes às do Laconicum, a relação que existe entre as paredes de ambas as estruturas sugere que foram construídas na mesma fase (Reis 2014: 246Reis, M. 2014: DE LUSITANIAE VRBIUM BALNEIS - Estudo sobre as termas e balneários das cidades da Lusitânia. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.).

Na intervenção de 2019, foi identificado um conjunto de silhares almofadados, in situ, que assentam sobre o nível geológico e que, cronologicamente, se associam ao século I d. C., (Fig. 7). A sua posição, bem como elementos decorativos neles detectáveis, sugerem que estariam no exterior, marcando, assim, um primeiro limite através do qual o edifício terminava. Considerando que a sua face superior se encontra à cota de circulação do Hipocausto do Laconicum, é possível que se tratasse de um patamar de circulação em torno do mesmo.

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Figura 7.  Estrutura possivelmente associada ao Caldarium, parede interna do Laconicum e silhares almofadados descobertos no Praefurnium.

Considerando ainda que, numa fase inicial, o edifício terminava nesta zona, o seu desenvolvimento seria no sentido norte, área em que, infelizmente, ainda não foram realizadas intervenções arqueológicas, constrangimento que nos impede de obter mais informação.

O primeiro plano de ampliação é marcado pela construção de um grande pórtico constituído por um conjunto de pilastras em granito que se localizam à frente do Laconicum (Fig. 8). A função e a dimensão total desta estrutura são, para já, desconhecidas, ainda que se possa calcular que a altura total dos arcos principais seria de, aproximadamente, 8,4 m e o seu diâmetro de 5,6 m. No caso dos arcos menores, e que serviriam de travamento aos maiores, a altura andaria em torno dos 5,7 m, tendo um diâmetro de aproximadamente 3,7 m. É também neste período que se verifica a primeira subida na cota de circulação, os silhares almofadados são subterrados e toda a cota exterior passa a ser a mesma que a do Laconicum. Atendendo às características arquitectónicas e morfológicas e à dimensão desta estrutura, acredita-se que a mesma esteja associada ao período Flaviano, inferência que carece ainda de confirmação. Ainda no contexto deste pórtico, foi encontrado um fragmento de um fuste com cerca 62 cm de diâmetro, o que, segundo as proporções clássicas, daria uma altura de 4,34 m. Quando a este elemento se adiciona a base e o respectivo capitel, do qual não foram encontrados quaisquer vestígios, obter-se-á um conjunto com cerca de 4,5 m de altura, o que corresponde à altura das pilastras do pórtico. Esta estrutura arquitectónica tem paralelo com as Termas de Valeria, onde foram encontradas colunas exactamente com as mesmas dimensões e cujas bases apresentam um distanciamento entre si muito semelhante ao caso de Évora (Domínguez-Solera et alii 2019: 357Domínguez-Solera, S., Atienza, J. e Muñoz, M. 2019: “Las termas romanas de Valeria” en E. Pazos, J. Fernández Ortea e D. Álvarez Jiménez (eds.), En ningún lugar… Caraca y la romanización de la Hispania interior, pp. 347-378. Editores del Henares Información y Publicaciones, Barcelona.).

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Figura 8.  Vestígios das pilastras com respectiva proposta de reconstituição.

A existência deste pórtico com uma cronologia anterior ao Praefurnium indica que o espaço termal se expandiu tanto na direcção sul, na qual a estrutura se desenvolve, como para este, onde se localizaria o espaço exterior com o qual a mesma se relacionava. A construção deste espaço revela uma tendência para valorizar áreas de jardins e parques, bem como a sua relação com pré-existências, tendência esta que, do ponto de vista cronológico, nos conduz à segunda metade do século I d. C. (Martins e Ribeiro 2012: 37Martins, M. e Ribeiro, M. 2012: “Gestão e uso da água em Bracara Augusta. Uma abordagem Preliminar”, en M. Martins, I. Freitas e M. Val Valdivieso (coords.), Caminhos da Água: Paisagens e usos na longa duração, pp. 9-52. Centro de Investigação Transdisciplinar, Braga.).

É também nesta direcção que se localiza o Natatio, assim como o possível Frigidarium, ambos espaços associados a banhos frios e que ganharam particular importância num período mais tardio dos conjuntos termais republicanos (Bellón Aquilera 2010: 51Bellón Aquilera, J. 2010: “Las termas romanas en Finca Petén, Mazarrón (Murcia)”, en J. Perelló (ed.), Primer Congreso Iberoamericano sobre geologia, minería, património y termalismo (IV Simposio Ibérico), pp. 47-54. Editora Silvia de Cambra, Andorra.). O último vestígio arqueológico registado que deverá estar associado a esta fase construtiva encontra-se na Rua de Olivença. Trata-se de parte de uma piscina, com três degraus de acesso ao interior e cujo fundo está forrado com opus signinum (Oliveira 2002: 7Oliveira, J. 2002: Relatório preliminar da Intervenção na Rua de Olivença. Universidade de Évora, Évora.). Esta estrutura apresenta um método construtivo em tudo semelhante ao do Natatio e localiza-se relativamente próximo deste, o que levanta a possibilidade de se tratar de uma das piscinas de água fria (Reis 2014: 249Reis, M. 2014: DE LUSITANIAE VRBIUM BALNEIS - Estudo sobre as termas e balneários das cidades da Lusitânia. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.).

O segundo, e último, grande plano de ampliação das termas deverá ter acontecido entre os finais do século II e inícios do século III e é marcado pela construção do Praefurnium no local onde antes se encontrava o pórtico. Esta ampliação é marcada pela construção de um sistema centralizado de aquecimento de água que faz distribuição para os espaços adjacentes (Fig. 9). É também caracterizada pela larga utilização do tijolo, pela reutilização de materiais de construção e ainda por um visível decréscimo na qualidade construtiva, algo que é muito característico deste período cronológico (Jeneson e Vos 2020: 181Jeneson, K. e Vos, W. 2020: Roman bathing in Coriovallum: The thermae of Heerlen revisited. Cultural Heritage Agency of the Netherlands, Amersfoort.). É também neste momento que o espaço termal conhece uma ampliação no sentido poente, ocupando o espaço que é actualmente utilizado como átrio do edifício dos Paços de Concelho. Para além do Praefurnium, com as suas várias fornalhas e estruturas associadas, na Praça do Sertório foram encontrados uma parede, que poderá corresponder à fachada do edifício, e um pavimento em opus signinum, sugestivo da existência de água no seu interior (Sarantopoulos 2003: 19Sarantopoulos, P. 2003: Relatório de trabalhos de acompanhamento arqueológico: Praça do Sertório - Rua Vasco da Gama. Câmara Municipal de Évora, Évora.). Esta ampliação é marcada por um aumento considerável na área construída e no número de salas, sendo, no entanto, aqui igualmente visível uma qualidade construtiva inferior à da ampliação anterior.

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Figura 9.  Marcação das fornalhas no Praefurnium.

Esta evolução cronológica e espacial organizada por três principais fases de ampliação converge com a perspectiva de diversos autores, como Feliz Teichner (2020: 829)Teichner, F. 2020: “Las termas públicas de Mirobriga y Cerro da Vila: reflejos arquitectónicos del desarollo de los asentamientos lusitanos”, en J. Noguera Celdrán, V. García Entero e M. Pavía Page (coords.), Termas públicas de Hispania, pp. 825-838. Editorial Universidad de Sevilla, Sevilla., Fikret Yegül (1992: 110-111)Yegül, F. 1992: Baths and bathing in classical Antiquity. Architectural History Foundation, New York., Elena Pettenò (1998: 136-137)Pettenò, E. 1998: “Le aquae e le terme curative dell’Africa romana”, Antiquités africaines, 34, pp. 133-148. ou ainda Gonzáles Soutelo (2010: 16-17)González Soutelo, S. 2010: “La configuración arquitectónica de los balnearios de aguas mineromedicinales en época romana: una propuesta de estúdio”, Bollettino di Archeologia on line, I, pp. 13-21. . Conclui-se, portanto, ocorrer uma coerência de expansão espacial que já foi registada noutros espaços termais (Carneiro 2021: 797Carneiro, A 2021: “Liberalitas Iulia Ebora”, en T. Basarrate (ed.), Ciudades Romanas de Hispania, pp. 167-176. Artes Gráficas Rejas, Mérida.). Torna-se ainda pertinente referir que a grande ampliação que terá tido lugar entre o final do século I e o início do século II, bem como a inutilização em torno do século IV, têm paralelo com Aqua Flavie, Bracara Augusta, Tongobriga ou ainda Clunia, algo que estará certamente relacionado com as grandes mudanças culturais e socioeconómicas que se fizeram sentir neste período (Núñez Hermández 2008: 183-190Núñez Hermández, S. 2008: “Conjuntos termales públicos en ciudades romanas de la Cuenca del Duero”, Zephyrvs-Revista de Prehistoria y Arqueología, LXII, pp. 163-193. ). O progressivo abandono desta tipologia de espaços verificou-se também em contextos de termas privadas, ainda que num período cronológico mais tardio, como é o caso da Villa Romana da Tourega (Viegas e Pinto 2000: 355Viegas, C e Pinto, I 2000: “As termas da Villa Romana da Tourega (Évora, Portugal)”, en C. Fernández Ochoa e V. García Entero (eds.), Termas romanas en el Occidente del Imperio: Coloquio Internacional de Arqueología en Gijón, pp. 355-359. VTP Editorial, Gijón.).

5. LACONICUM: DIFERENTES FASES CONSTRUTIVAS

 

O método construtivo nas paredes de fundação do Laconicum, tal como a relação que estabelece com o conjunto de silhares almofadados, permite perceber que este espaço está associado à primeira fase construtiva das termas. No entanto, é possível observar no seu interior alguns elementos arquitectónicos que sugerem a existência de diferentes fases de utilização.

O primeiro tema a estudar é o dos métodos construtivos. A este nível, destaca-se o facto de as paredes da sala indiciarem duas metodologias bastante distintas. Partindo do nível do geológico e até aos 1,6 m de altura, constata-se serem constituídas por pedras irregulares de média dimensão e com um ligante muito resistente. Os cunhais dos nichos estão construídos com grandes silhares graníticos, apresentando alguns deles quase 1 m de comprimento; a sua cuidadosa colocação torna as juntas quase indetectáveis. A forma como este método construtivo termina é muito irregular, existindo várias zonas onde se nota que alguns elementos pétreos foram arrancados nalgum momento. Assente sobre este método, encontra-se outro, constituído por lajes cerâmicas de diferentes dimensões, sendo que, em determinadas zonas, ocorreu um reaproveitamento de lajes para a construção (Fig. 10). O ligante é de muito menor qualidade que o anterior, apresentando já uma fraca resistência.

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Figura 10.  Secção longitudinal do Laconicum assinalando métodos construtivos distintos.

Quando este espaço foi intervencionado pela primeira vez, interpretou-se esta diferença de materialidade com o facto de se ter utilizado o tijolo para que se conseguisse uma maior resistência às altas temperaturas que aqui se fariam sentir (Correia 1998: 314Correira, V. 1998: “As termas romanas de Évora. Notícia da sua identificação”, Hvmanitas, 39-40, pp. 312-320. ). Mas, se assim fosse, faria sentido a zona do Hipocausto ser também ela construída em tijolos por ser o lugar onde existiria mais calor. Porém, neste caso, verifica-se exactamente o contrário. Para além disso, quando se observam as fornalhas do Praefurnium, é possível constatar que as mesmas são construídas com tijolos precisamente para adquirirem essa maior resistência ao calor. Uma vez mais, no Laconicum, acontece o contrário, estando a fornalha principal construída a partir de grandes blocos graníticos.

Continuando no campo dos métodos construtivos, as diferenças são constatáveis também nos vãos que aqui se conservam. Dos lados norte e este encontram-se conservados dois dos quatro nichos que são característicos desta tipologia de espaços. Nos lados sul e oeste, é possível encontrar cinco acessos de reduzidas dimensões que aparentam ser fornalhas ou zonas para circulação de água. Neste caso, os métodos construtivos são bastante distintos: o tijolo é o material mais utilizado, intercalando com blocos de granito reaproveitados dos nichos entretanto desaparecidos e assinalando, uma vez mais, diferentes fases construtivas (Fig. 11) (Reis 2014: 245Reis, M. 2014: DE LUSITANIAE VRBIUM BALNEIS - Estudo sobre as termas e balneários das cidades da Lusitânia. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.). Situação muito semelhante foi verificada nas termas romanas de Bracara Augusta, onde foi identificado um conjunto de silhares sob o qual arrancam arcos em tijolo, revelando assim duas fases construtivas (Martins 2005: 18Martins, M. 2005: As termas romanas do Alto da Cividade: Um exemplo de arquitectura pública de Bracara Augusta. Estúdio de Artes Gráficas, Barcelos.). Existe, no entanto, uma passagem que se distingue das anteriores: está virada para sudoeste e faz comunicação com a actual zona do Praefurnium. Apesar de lhe estar atribuída a função de fornalha (Reis 2014: 245Reis, M. 2014: DE LUSITANIAE VRBIUM BALNEIS - Estudo sobre as termas e balneários das cidades da Lusitânia. Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.), este espaço utiliza o mesmo método construtivo dos nichos, apresentando grandes blocos de granito aparelhados na zona dos cunhais. Quanto ao arco, este mostra-se construído em tijolos que assentam de forma irregular sobre o granito. Conclui-se, por isso, que esta morfologia remete para duas fases construtivas distintas.

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Figura 11.  Planta do Laconicum no qual se podem observar os distintos métodos construtivos presentes na zona das fornalhas.

Abordando o tanque central, bem como a forma como ele está construído, é possível encontrar fortes relações com o segundo método das paredes, ou seja, ele é integralmente feito em lajes de tijolo, sendo muitas delas reaproveitadas e apresentando um ligante bastante fraco.

Tendo-se realizado uma análise das diferenças construtivas presentes neste espaço, torna-se pertinente fazer um estudo dos acessos ao mesmo. Relevante será, igualmente, compreender a forma como este espaço se relaciona com outras estruturas contemporâneas. A existência de quatro nichos, dispostos diagonalmente, é uma das mais importantes características deste tipo de espaço. Todavia, os aqui existentes revelam informações contraditórias relativamente à sua função. Normalmente, o Laconicum caracteriza-se por ser um espaço de planta circular com escavados na parede, que se encontram à cota de circulação e sem acesso a nenhuma outra sala, estando muitas vezes decorados com estatuária. Esta situação não se verifica neste caso: a primeira contradição é que os nichos têm a base assente no nível do Hipocausto em vez de estar à cota de entrada para o tanque de água. Outra situação ainda mais invulgar é que, no caso do nicho virado a este, a mais recente intervenção arqueológica realizada comprovou que essa parede foi construída posteriormente à construção do próprio nicho. Com efeito, os métodos construtivos são ligeiramente distintos, sendo que, na união entre o fundo e as umbreiras, existe uma clara falta de travamento entre as pedras, levando a crer que o fundo foi colocado posteriormente. Esta situação levanta a dúvida sobre se terão ocorrido duas fases construtivas dentro da mesma obra ou se, originalmente, o nicho estaria aberto para o exterior.

Este conjunto de informações aponta para a existência de duas fases construtivas no espaço em análise (Fig. 12). Associado à fundação das termas, este espaço terá feito parte de um plano inicial e seria constituído por uma planta circular que contemplava um acesso principal e quatro grandes vãos dispostos diagonalmente, comunicantes, ou não, com os restantes espaços. Apesar de não se contar, para já, com qualquer evidência material, não se deve excluir a hipótese de, nesta fase, ter existido um tanque central, escavado no geológico e com uma dimensão inferior ao que se conserva actualmente. Quando é construído o pórtico exterior, correspondente à primeira ampliação das termas, opta-se por se utilizar a mesma cota de circulação do Laconicum, o que indica que ambos estiveram a funcionar em simultâneo.

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Figura 12.  Axonometria com proposta das duas fases construtivas do Laconicum.

Numa segunda fase, o tanque que se conserva actualmente é construído obrigando à subida da cota de circulação em 1,5 m e criando, assim, as condições para a construção do Hipocausto. Nesse momento, são levadas a cabo uma reorganização dos vãos, nomeadamente ao nível dos nichos, que são entaipados e adulterados, e a construção de novas entradas subterrâneas para a circulação de água e vapor quente. Esta grande alteração deverá estar associada à segunda grande ampliação que o espaço termal registou, momento em que é construído o Praefurnium e no qual o tijolo é adaptado como método construtivo dominante. Será também nesta fase que é construído o novo acesso ao espaço, entrada essa que está virada para oeste e cuja base se conserva, indicando que os espaços adjacentes também terão sofrido uma reorganização ao nível das cotas de circulação. Esta alteração é coerente com outros exemplares como Valentia (Marín Jordá e Ribera Lacomba 2000Marín Jordá, C. e Ribera i Lacomba, A. 2000: “Un caso precoz de edificio termal: los baños republicanos de Valentia”, en C. Fernández Ochoa e V. García-Entero (eds.), Termas Romanas en el occidente del Imperio: II Coloquio Internacional de Arqueología en Gijón, pp. 151-156. VTP Editorial, Gijón.), Cabrera del Mar (Martín 2000Martín, A. 2000: “Las termas republicanas de Cabrera del Mar (Maresme, Barcelona)”, en C. Fernández Ochoa e V. García-Entero (eds.), Termas Romanas en el occidente del Imperio. II Coloquio Internacional de Arqueología en Gijón, pp. 157-162. VTP Editorial, Gijón.) e Múrcia. Em todos estes casos, numa primeira fase, o Hipocausto estava localizado fora do espaço que pretendia aquecer e só numa segunda fase é que se construiu o pavimento elevado com o sistema de aquecimento ao nível do subsolo (Bellón Aquilera 2010: 49Bellón Aquilera, J. 2010: “Las termas romanas en Finca Petén, Mazarrón (Murcia)”, en J. Perelló (ed.), Primer Congreso Iberoamericano sobre geologia, minería, património y termalismo (IV Simposio Ibérico), pp. 47-54. Editora Silvia de Cambra, Andorra.).

6. GEOMETRIA: CIRCUNFERÊNCIA E RETÂNGULO DE OURO

 

Através da multiplicação da medida exacta do pé romano (29,6 cm) pelo “perfeitíssimo número dezasseis” obtêm-se o diâmetro da circunferência (A), do qual se tem uma grande aproximação da dimensão do anel intermédio do Laconicum (Maciel 2006: 111Maciel, J. 2006: Vitrúvio, Tratado de Arquitectura. Guide - Artes Gráficas, Lda., Lisboa.). Quando, de seguida, se marca um rectângulo de ouro (B) fazendo coincidir a sua largura com o diâmetro da circunferência A e estando igualmente centrado com esta, obtém-se uma nova circunferência (C) cuja área é a mesma que a da sala (Fig. 13).

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Figura 13.  Circunferência central com 16 “pés romanos” de diâmetro e respectivo rectângulo de ouro que a circunscreve determinando assim a área do Laconicum.

A diferença entre ambas é de 5 cm entre o raio da sala e o da circunferência C, o que pode estar relacionado com a posterior aplicação de reboco, elemento que já não se conserva. Esta relação tão precisa entre a sucessão de circunferências e rectângulos de ouro e o dimensionamento do espaço em causa indicia uma intenção de aplicar uma regra geométrica à construção deste, facto que poderá estar relacionado com o propósito de criar uma espacialidade mais harmónica segundo os cânones da época (Maciel 2006: 37Maciel, J. 2006: Vitrúvio, Tratado de Arquitectura. Guide - Artes Gráficas, Lda., Lisboa.). Esta relação não se aplica apenas à dimensão da sala, mas também à forma como os acessos que organizam. Se à circunferência A se adicionar um novo rectângulo de ouro (D), de dimensão igual à do rectângulo B, mas colocado perpendicularmente, obtém-se a localização dos quatro grandes vãos que se dispunham diagonalmente ao longo da sala (Fig. 14).

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Figura 14.  Cruzamento entre os rectângulos de ouro B e D indicando a posição dos dois nichos existentes e determinando a posição dos dois que já não se conservam.

A sua dimensão não corresponde, porém, de forma directa à posição dos vértices dos rectângulos B e D. Para isso divide-se pela metade a área resultante da intercepção entre ambos, formando-se um novo rectângulo de ouro (E), cujo comprimento indica a medida dos vãos maiores e cuja largura traduz a dimensão do vão virado para sudoeste (Fig. 15). Em ambos os casos, a margem de erro é de aproximadamente 1 cm.

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Figura 15.  Relação entre as dimensões do rectângulo de ouro E com a largura dos quatro nichos dispostos diagonalmente, bem como com a largura da possível entrada principal do Laconicum.

Esta informação obriga a uma reavaliação da passagem em causa, a que, actualmente, está atribuída a simples função de fornalha (Reis 1999: 8Reis, M. 1999: Sondagens Arqueológicas nas Termas Romanas de Évora. Cronos-Arqueologia e Conservação, Redondo.). A directa relação geométrica que estabelece com os vãos maiores parece tornar inequívoca a ideia de que farão parte da mesma fase construtiva. Reforçando esta ideia, é possível observar, na Figura 15, que esta passagem se encontra exactamente entre os vãos sul e este, estando praticamente alinhada com o eixo central do espaço. Existe ainda um outro ponto que não pode ser ignorado, ou seja, a relação que estabelece com o pórtico, porquanto seria completamente despropositado realizar a construção de uma estrutura desta dimensão e monumentalidade para dar acesso directo a uma simples fornalha. Perante esta análise, propõe-se a ideia de esta ter sido a porta inicial do espaço em estudo, ou seja, quando o Laconicum foi construído, aceder-se-ia ao seu interior através deste vão, apesar de, mais tarde, com a construção do pórtico, esta sala passar a dispor de uma entrada mais nobre. Com a segunda ampliação das termas, toda esta zona é desactivada, conhecendo este vão uma redução do pé direito com a consequente construção do arco e adaptação a fornalha. A acompanhar este processo, assiste-se à transformação do pórtico em Praefurnium.

Alargando a relação geométrica previamente estabelecida a um perímetro maior do que o Laconicum, utiliza-se a circunferência C e constrói-se um novo rectângulo de ouro (F), cujo cruzamento com a fachada exterior do Laconicum marca o ponto pelo qual se orienta o pórtico. O seu alinhamento é marcado pela sua parede interior, que se situa na mesma direcção da aresta A’-B’, embora apresentando um ligeiro desvio de 2º (Fig. 16). Esta situação poderá ter acontecido por alguma pré-existência que tenha condicionado a sua implantação ou poderá tratar-se, simplesmente, de um pequeno erro de construção, algo que seria perfeitamente plausível. Quando se desenha uma nova circunferência (G) tangente ao rectângulo F, obtém-se o alinhamento exterior dos silhares almofadados (Fig. 17). Esta relação é ainda mais reforçada pelo facto de estes terem um alçado com a proporção de um rectângulo de ouro, o que confere consistência à leitura de que a aplicação dos silhares e a construção do Laconicum aconteceram em simultâneo e que estarão associadas ao processo de fundação das termas. Quanto à função destes silhares, considerando a distância a que se encontram da parede exterior do Laconicum e o facto de a sua superfície superior ficar à cota de circulação deste espaço, coloca-se a possibilidade de estarmos perante um patamar exterior que contornava o edifício.

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Figura 16.  Rectângulo de ouro F marcando a direcção do Pórtico através da recta A’B’.
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Figura 17.  Circunferência G marcando a posição dos silhares almofadados e respectivo limite da primeira fase construtiva das termas.

A zona do possível Caldarium nunca foi intervencionada e, consequentemente, não se tem uma noção de qual seria a sua original organização espacial. No entanto, quando se realiza o cálculo do diâmetro da abside, circunferência I, pode-se observar que é praticamente o mesmo que o da circunferência A, ou seja, tem a mesma dimensão que o degrau intermédio do Laconicum (Fig. 18). Esta diferença é de, sensivelmente, 5 cm, medida essa que já se tinha verificado anteriormente e que que estará associada ao desaparecimento da camada de reboco que originalmente cobria a estrutura. Ainda assim, a relação geométrica não termina aqui, já que o centro da circunferência I fica coincidente com o traçado da circunferência G, estando igualmente tangente ao ponto C’ do rectângulo H. A forte relação entre a planta desta sala e o Laconicum coloca a nu a relação construtiva que existe entre ambos, não deixando grandes dúvidas acerca da simultaneidade da sua construção.

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Figura 18.  Circunferência I, de dimensão igual à circunferência A, que determina a dimensão do Caldarium.

Desenhando novamente um rectângulo de ouro (J), cuja largura corresponde ao diâmetro da circunferência G, estando centrado com o eixo central do Laconicum e tendo a mesma direcção do rectângulo F, obtém-se o alinhamento de uma estrutura de cronologia romana que foi identificada na intervenção de 2007 (Fig. 19) e sobre a qual foi construída uma parede com 1,4 m de espessura (Dias e Vidal 2007: 9Dias, S. e Vidal, G. 2007: Relatório Final de Trabalhos Arqueológicos: Paços de Concelho-Banhos Públicos Romanos de Évora. ArkeoHabilis, Évora.). Apesar de nunca ter sido intervencionada e de, por isso, não existir qualquer registo do seu método construtivo, é provável que a estrutura em causa esteja associada ao Paço dos Condes de Sortelha, constituindo, eventualmente, uma das fachadas do mesmo.

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Figura 19.  Sobreposição da antiga fachada do Palácio dos Silveira com o rectângulo de ouro J.

A partir de uma nova ampliação da escala do padrão geométrico e desenhando uma nova circunferência (K) tangente ao rectângulo J e, de seguida, um novo rectângulo de ouro (L), verifica-se que a aresta D’-E’ passa exactamente a meio do Natatio (Fig. 20). Este alinhamento ajuda a compreender a relação planimétrica que existe em todo o edifício, demonstrando a razão geométrica entre este espaço e o Laconicum. O Natatio foi parcialmente intervencionado, tendo-se registado a sua largura total com 14,58 m, o que corresponde a cerca de 50 pés romanos. Esta medida coincide exactamente com o comprimento do rectângulo H, cuja largura é o diâmetro do Laconicum, o que reforça uma vez mais a relação geométrica que existe entre ambos. Um dado que importa referir é o facto de aqui a dimensão do rectângulo de ouro corresponder, de forma perfeita, à dimensão do respectivo espaço, circunstância essa que, no Laconicum e no Caldarium, não ocorre, registando-se nestes uma diferença de, aproximadamente, 5 cm. Esta situação justifica-se pelo facto de que, neste caso, o compartimento conserva o reboco original, o que não se aplica aos outros dois, facto de comprova o imenso cuidado tido na planimetria deste edifício, de forma a ter em conta os vários acabamentos e a criar um conjunto de espaços o mais harmónicos possíveis.

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Figura 20.  A aresta D’E’ do rectângulo de ouro L encontra-se alinhado com o eixo central do Natatio.

Devido às escassas intervenções arqueológicas que todo este complexo registou, ainda não foi possível verificar o comprimento total do Natatio. Porém, utilizando a mesma regra geométrica que se tem verificado nos restantes espaços, pode-se chegar a uma suposição do mesmo. Desenhando um rectângulo de ouro (M) com as mesmas dimensões do rectângulo H, marca-se uma circunferência (N) contornando tangencialmente a figura anterior. De seguida, marca-se um novo rectângulo de ouro (O) (Fig. 21). A proposta de dimensão do Natatio corresponde à intersecção entre os retângulos M e O, criando, assim, a área P, que coincide com uma sondagem aberta no actual arquivo da Câmara Municipal, espaço onde foi encontrada uma parede com as mesmas características morfológicas e construtivas do Natatio. Esta hipótese ganha mais expressão quando se tem em conta que a espessura das suas paredes corresponde exactamente à distância compreendida entre os rectângulos O e P. Neste sentido, é legítimo supor o Natatio com um comprimento de 27,78 m, por 14,58 m de largura. Note-se que a confirmação desta proposta só poderia ocorrer com a abertura de mais sondagens, principalmente na zona norte da piscina, de forma a verificar-se se, de facto, o término desta coincide com o segmento E’-F’.

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Figura 21.  Proposta para a dimensão total do Natatio resultando do cruzamento entre a largura do rectângulo de ouro O e o comprimento do rectângulo de ouro M.

Tendo como base os vestígios arqueológicos registados e tomando em consideração a proposta aqui apresentada, é de supor que a planta geral das termas fosse centralizada, tendo o Laconicum como ponto a partir do qual se marca o eixo central. Esta tipologia de planta é comum em termas imperiais e conheceu particular expressão na transição do século I para o século II, momento em que as termas ganham especial importância na sociedade romana, tornando-se parte essencial da mesma (Kontokosta 2019: 46Kontokosta, A. 2019: “Building the Thermae Agrippae: Private Life, Public Space, and the Politics of Bathing in Early Imperial Rome”, American Journal of Archaeology, 123 (1), pp. 45-77. https://doi.org/10.3764/aja.123.1.0045 ). É ainda possível comprovar que os espaços associados à primeira grande ampliação respeitam, de forma criteriosa, a geometria e os alinhamentos pré-existentes, limitando-se a aplicar as mesmas regras, mas numa escala maior, algo que é coerente com outros exemplos, como é o caso de Bracara Augusta (Martins 2005: 44Martins, M. 2005: As termas romanas do Alto da Cividade: Um exemplo de arquitectura pública de Bracara Augusta. Estúdio de Artes Gráficas, Barcelos.).

Dos compartimentos associados às termas que foram identificados nas várias intervenções arqueológicas, o único cuja relação geométrica falta compreender é o Frigidarium. A sua localização é determinada utilizando o mesmo processo mobilizado para a determinação da posição do Caldarium, a saber: marca-se uma circunferência (Q) com o centro no Laconicum e cujo raio corresponde à distância até ao segmento de recta F’-G’, ou seja, ao limite do Natatio. De seguida, marca-se uma outra circunferência (R) com o centro no Natatio e cujo raio é a distância até ao segmento de recta H’-I’, isto é, o limite do Laconicum (Fig. 22). A intersecção entre ambas as circunferências determina o centro do Frigidarium. Uma vez que foi escavada apenas uma parte deste espaço, não é possível saber, para já, a forma como o Frigidarium se relaciona espacialmente com outras divisões, bem como a localização do vão que dá acesso ao seu interior.

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Figura 22.  Localização do Frigidarium calculada através da sobreposição da circunferência R e Q.

Depois de estudada a relação entre o rectângulo de ouro e a circunferência com os espaços termais, bem como a sua planimetria e proporção, torna-se inegável a conexão entre ambos. A realidade aqui descrita aponta para uma clara intenção de construção de um espaço que fosse harmonioso, no sentido arquitectónico, e que se relacionasse, de forma igualmente coerente, com a malha urbana.

7. VOLUMETRIA: RELAÇÃO ENTRE AS TERMAS E A CIDADE

 

Depois de realizado um estudo do plano urbanístico da cidade no período romano, de construída uma proposta para o seu traçado e ainda de definida a regra geométrica que organiza os espaços e a sua dimensão, torna-se fundamental tentar perceber a relação volumétrica das termas em relação à cidade.

A sobreposição entre a planta das termas e a sua respectiva geometria e o alinhamento das vias romanas permite destacar a presença de um elemento. Trata-se do limite do traçado da via Q, que coincide, de forma extremamente perfeita, com o rectângulo J e com a circunferência G (Fig. 23). Face a esta constatação, torna-se fundamental relembrar que essa circunferência marcava o primeiro limite do espaço termal, hoje conservado pelo conjunto de silhares, pelo que, ao marcar igualmente o traçado da via, é seguro propor que este deveria ser a linha por onde passava a fachada, numa fase inicial das termas. Também conforme já foi referido, a primeira fase de ampliação do complexo passou pela construção de um pórtico de dimensões monumentais com alinhamento paralelo à via, de tal forma que é perfeitamente aceitável que tenham estado em funcionamento em simultâneo. O mesmo não se poderá dizer da segunda grande ampliação, momento em que são construídos o Praefurnium e, consecutivamente, as várias fornalhas que comunicavam para espaços que se sobreporiam a este traçado. Deverá ter sido neste momento que o edifício, ao ser ampliado na direcção poente, terá cortado esta via e sofrido um alargamento até à actual Praça do Sertório. Esta análise afigura-se, de resto, coerente com os resultados da intervenção arqueológica realizada em 2002, que descobriu, nesta zona da cidade, parte de um tanque e a fachada de um edifício de cronologia romana (Sarantopoulos 2003: 4Sarantopoulos, P. 2003: Relatório de trabalhos de acompanhamento arqueológico: Praça do Sertório - Rua Vasco da Gama. Câmara Municipal de Évora, Évora.).

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Figura 23.  Cruzamento entre a proposta de malha urbana com a geometria das termas e resultante sobreposição com a circunferência G e o rectângulo de ouro J.

Com esta informação já se torna possível definir três limites para o edifício das termas. Assim, a este seria a Via P, ou seja, o Cardus, que passa no Arco D. Isabel, a oeste, a via Q e a sul ter-se-ia a via D, que tem relação directa com o alinhamento do Forum.

Perante este quadro, resta perceber qual seria o limite norte das termas. A possibilidade de ser a via C, fazendo assim um edifício de planta quadrangular, fica excluída pelo facto de a mesma passar em cima do possível Caldarium, bem como da estrutura descoberta em 2007 (Dias e Vidal 2007: 9Dias, S. e Vidal, G. 2007: Relatório Final de Trabalhos Arqueológicos: Paços de Concelho-Banhos Públicos Romanos de Évora. ArkeoHabilis, Évora.). A primeira hipótese que se coloca seria associar o limite norte à estrutura longitudinal encontrada na Rua de Olivença, em 2002. Apesar de esta suposição parecer a mais óbvia, debate-se com alguns problemas, nomeadamente o facto de a estrutura em causa estar torcida em relação ao eixo viário, bem como o facto de ela não exibir um traçado contínuo, ou seja, em linha recta, fazendo, pelo menos, uma torção a meio. Para se compreender o contexto a que esta estrutura está associada, é preciso lembrar que a Rua de Olivença só foi aberta em 1951, o que implicou a demolição de parte do Palácio dos Silveira, tal como a demolição quase integral do Mosteiro do Salvador (Almeida 2000: 117Almeida, C. 2000: Riscos de um Século: Memórias da Evolução Urbana de Évora. Soctip-Sociedade Tipográfica, Samora Correira.). Em 2014, Maria Reis e Mariana Carvalho (2014: 289)Reis, M. y Carvalho, M. 2014: “Las termas públicas de Ebora: Monumentalidad mimetizada”, en J. Álvarez Martínez, T. Nogales Basarrate e I. Rodà de Llanza (eds.), Actas XVIII Congresso Internacional Arqueologia Clásica, Vol. I, pp. 891-896. Artes Gráficas Rejas, Mérida. publicaram uma planta na qual era mostrado o piso térreo deste quarteirão antes das referidas demolições. Conectando essa informação com o registo fotográfico da demolição do mosteiro, é possível definir aproximadamente a planta do mesmo. Ao fazer a sobreposição desta informação com o traçado das estruturas romanas é possível constatar que estas coincidem com a parede divisória entre o Mosteiro do Salvador e o Palácio dos Silveira (Fig. 24). Esta informação, aliada ao traçado pouco irregular dessa parede, leva a concluir que o mais provável é que a estrutura encontrada em 2002 seja a divisão entre o Palácio e o Mosteiro, afastando-se assim da possibilidade de constituir o limite das termas.

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Figura 24.  Mosteiro do Salvador e Palácio dos Silveira antes da demolição da década de 40 e cruzamento com os vestígios identificados das Termas romanas.

Em virtude da actual inexistência de dados arqueológicos que confirmem com segurança a dimensão total do espaço termal, torna-se fundamental recorrer, novamente, à geometria para se tentar chegar a uma conclusão consistente.

A organização espacial das termas corresponde a uma estrutura centralizada em que o Laconicum ocupa uma posição principal, conforme ficou demonstrado na Figura 22. Esta disposição é coerente com a tipologia utilizada durante o período flávio-trajano e encontra especial implantação na região da Lusitânia, como é o caso das termas de Conimbriga, de Mirobriga ou ainda de Carteia (Fernández Ochoa et alii 2004: 175Fernández Ochoa, C., García-Entero, V., Morillo Cerdán, A. y Zarzalejos Prieto, M. 2004: “Proyecto Termas Romanas en Hispania. Balance de una década de investigación (1993-2003)”, Cuadernos de Prehistoria y Arqueología de la UAM, 30, pp. 167-185. https://doi.org/10.15366/cupauam2004.30.012 ). A proposta da centralidade do Laconicum reforça-se no momento em que se verifica que a distância que vai do seu centro até ao Cardus P, ponto J’, é a mesma que vai até ao cruzamento entre a via Q e D, ponto K’ (Fig. 25).

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Figura 25.  Equidistância entre o centro do Laconicum com a via P (ponto K’), e o cruzamento da via D e Q (ponto L’).

Laconicum, obtém-se a intersecção com a via Q, resultando no ponto L’ e determinando assim aquele que deveria ser o limite das termas. A área resultante desta intersecção é, precisamente, um rectângulo de ouro, figura essa que previamente se demonstrou estar na base na organização geométrica de todo o complexo (Fig. 26).

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Figura 26.  Proposta para a área completa das termas durante segunda fase construtiva.

Esta proposta revela não só uma coerência geométrica em todo o complexo como também uma relação cuidada e harmónica com a malha urbana, resolvendo o problema do percurso da muralha nesta zona. A torção que regista a partir do Jardim Diana terá sido definida pelo limite das termas, garantindo assim a plena utilização do edifício e deixando, inclusivamente, espaço de circulação no seu entorno, tal como aconteceu nas termas de Gijón (Fernández Ochoa e Zarzalejos Prieto 1996: 110Fernández Ochoa, C. e Zarzalejos Prieto, M. 1996: “Técnicas constructivas en las termas romanas de Campo Valdés (Gijón): El material laterício”, Archivo Español de Arqueología, 69, pp. 109-118. https://doi.org/10.3989/aespa.1996.v69.236 ). Abordando novamente a planta que representa o Mosteiro do Salvador e o Palácio dos Silveira, ao fazer-se a sobreposição com a actual proposta, é constatável que a parede da fachada da igreja continuava para o interior do edifício, sobrepondo-se perfeitamente ao limite das termas e tendo mesmo uma largura consistente com as dimensões de uma fachada (Fig. 27). Também é possível observar que o limite norte do mosteiro se encontrava sobre o outro lado da via romana, sobrepondo-se à mesma e apresentando a mesma direcção.

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Figura 27.  Sobreposição entre a proposta da dimensão das termas com o Mosteiro do Salvador e o Palácio dos Silveira.

É possível igualmente concluir sobre a centralidade espacial que este conjunto teria, no qual o Laconicum e o Natatio estariam ao centro, havendo as mais variadas salas dispostas de ambos os lados. Esta tipologia corresponde a um “modelo imperial” do qual existe uma adaptação à dimensão e organização urbana do local onde se insere (Fernández Ochoa et alii 2000: 60Fernández Ochoa, C., Morillo Cerdán, Á. e Zarzalejos Prieto, M 2000: “Grandes conjuntos termales públicos en Hispania”, en C. Fernández Ochoa e V. García-Entero (eds.), Termas Romanas en el occidente del Imperio. II Coloquio Internacional de Arqueología en Gijón, pp. 59-72. VTP Editorial, Gijón.).

8. CONCLUSÃO

 

Entre os anos de 2019 e 2020, foi desenvolvida uma campanha arqueológica que teve como objectivo terminar a escavação do Praefurnium das termas romanas de Évora. Esta intervenção resultou na descoberta de várias estruturas inéditas, entre elas um possível Frigidarium, diversos níveis de pavimento e um conjunto de silhares almofadados. Em presença destes resultados, tornou-se imperioso proceder a uma nova leitura de todo o espaço, incluindo nela todas as estruturas que tinham sido descobertas em campanhas anteriores.

Para que esta nova leitura fosse o mais completa possível, optou-se por começar pelo estudo dos elementos que permitiam perceber a malha urbana da cidade em período romano. De seguida, com os elementos obtidos foi construída uma possibilidade de plano urbanístico. Esta proposta consiste na aplicação de uma grelha quadrangular, cujos quarteirões têm 100 côvados de comprimento e as vias 6 côvados, resultando num desenho muito regular e que se relaciona com várias marcas urbanísticas ainda hoje conservadas.

Numa fase posterior, foram analisados todos os vestígios arqueológicos associados às termas, do qual, através do estudo dos métodos construtivos, das cotas de circulação e do sistema de organização dos espaços, foi possível determinar três grandes fases construtivas. A primeira está associada à fundação das termas, cujo Laconicum era o espaço principal. Entre o final do século I e o início do século II, é construída a primeira grande ampliação, em cujo âmbito o edifício é consideravelmente acrescentado para sul e este. É neste momento que se constrói o pórtico monumental, bem como o Natatio, o Frigidarium e um conjunto de outros espaços associados aos banhos frios. Numa última fase construtiva, associada aos finais do século III, as termas são objecto de uma considerável ampliação no sentido poente, sendo igualmente construídos o Praefurnium e um conjunto de espaços associados aos banhos quentes.

Ainda neste sentido, foi realizada uma análise do espaço do Laconicum, privilegiando-se o estudo dos métodos construtivos, da organização espacial e das cotas de circulação. Essa análise levantou a possibilidade de este espaço ter obedecido a duas fases construtivas. Na primeira fase, a circulação era feita ao nível térreo, com comunicação directa com o pórtico; na segunda fase, a cota de circulação subiu consideravelmente e foram construídos o tanque central, o sistema de Hipocausto e uma nova entrada na direcção poente.

Conseguida uma leitura mais clara e cronologicamente organizada das várias fases construtivas deste espaço, optou-se por aplicar a geometria à sua organização. Nesta proposta, foram utilizados como base a circunferência e o rectângulo de ouro, enquanto elementos essenciais à construção dos espaços termais. Utilizando como centro o Laconicum, é desenhada uma estrutura geométrica que demonstra, de forma clara, o modo como os espaços se vão se relacionando entre si, indiciando um enorme cuidado na composição arquitectónica.

Num último momento, este estudo propôs-se resolver o problema da dimensão das termas, assim como o dos seus limites e relação urbana. Utilizando a geometria previamente estabelecida e os dados relativos ao urbanismo da cidade, foi possível determinar que o edifício obedecia a uma planta correspondente a um rectângulo de ouro, no qual se pode inserir uma circunferência com centro no Laconicum. Esta proposta revela, uma vez mais, o carácter nobre e profundamente cuidado que presidiu à concepção deste conjunto, o que justifica a construção de um edifício com uma grande proporcionalidade e perfeição volumétrica, que se distingue, seguramente, como um dos mais belos exemplares de arquitectura termal a nível nacional.

NOTAS

 
1

No XI Congresso de Arqueologia do Sudoeste Peninsular, realizado a 25 de Outubro de 2021, foi apresentada a comunicação intitulada “As Termas Romanas de Ebora Liberalitas Ivlia - Campanha Arqueológica 2019/2020”. Este estudo teve como objectivo divulgar os resultados da intervenção, focando-se nas novas estruturas identificadas, bem como nas várias fases construtivas que foram aqui identificadas.

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